terça-feira, 30 de novembro de 2010

meramente suportável.

                
            Não havia nada que para que realmente valesse apena acordar naquela manhã, como em todas as outras. Continuou deitado. Suspirou. Suspirou. Suspirou. Era assim, fazia as coisas repetitivamente para levar mais tempo, e então os dias passam mais rápido, e as noites mais longas. Enquanto conseguia dormir, estava tudo bem. Conseguia sonhar, e conseguia fugir. Levantou, deitou. Levantou, deitou. Levantou, deitou. Muito bobo, mas diria que é... bem, queria dizer divertido, mas naquele estado nada era divertido. Fechou os olhos. Imaginou um lugar. Vamos, imagine. Árvores. Um parque vazio. Ele. Uma garota. E então ele sorriu. Não um sorriso vulgar, não. Um sorriso... Feliz. Ela sorriu para ele: uma garota de cabelos longos e claros, um vestido  amarelo com flores tingidas de azul. Ela era encantadora. Parecia ter consigo a leveza e a pureza, e ganhado a sedução. Ela estendeu sua mão para ele,  e ele a segurou. Tudo sem pressa, lento. Ela se virou e o levava a algum lugar. Ela andava descalça, parecia dançar balé, e o vestido se movimentava sincronizadamente. Chegaram a um lugar, um roseiral. Ela virou-se para ele e riu. Seus olhos escuros poderiam tomar o lugar das estrelas, à brilhar. E então ela correu. Correu, levemente. Parecia não tocar no chão. Ela foi embora, e ele tentou procurá-la, em meio as rosas flamejantes, mas então tudo acabou. Ele abriu os olhos.
Era isso todos os dias. As vezes ela mudava de vestido. As vezes as rosas mudavam de cor. Mas, era sempre ela. E era ela a causadora deste desastre emocional. Dessa rotina ociosa. Ela se fora, e o deixou assim. Somente com a lembrança de seus olhos, seu sorisso. Seu perfume indescritível vagava pela casa.
Viu que não ia conseguir dormir mais, e se levantou. Eis que surge um motivo para não continuar deitado: lembranças. Não que elas fossem desaparecer ao se levantar, mas ocupando-se deixariam um pouco da intensidade.
Foi ao banheiro: lavou o rosto, ficou horas embaixo d’água, e vestiu uma roupa confortável. A velha cozinha se mantia arrumada, mas não limpa. A poeira cobria bastante do lugar e mostrava a preocupação de seu dono em limpa-la: zero. Lavou uma vasilha e uma colher,  e pegou cereal e leite. Decidiu não se sentar na mesa suja e foi até o sofá. Sentou-se e comeu. E depois ''Bem vindo a cama'' foi o que ele leu antes de se deitar. Novamente. Se levantar. Se deitar. Fechar os olhos e dormir.


                                                                                                                           clarissa nobre.

sábado, 6 de novembro de 2010

nada,

          

           Entrei, sem prestar muita atenção em quem estava ali. Só queria ter algo pra beber enquanto pensava nas futilidades da vida. Pelo menos até ver você.
           Fazia tempo que eu não te via, tempo que não pensava em você. Sentei longe de você, pra ficar observando, sem precisar fazer alguma coisa caso você percebesse.
           Mas aí você percebeu. E ainda se atreveu a me enviar um sorriso. Ah, seu sorriso... Ele combina perfeitamente com seus olhos laranjas, e com seu cabelo que você insistiu em muda-los de cor, me fazendo oscilar sobre a mesa.
           Vi pessoas chegando e fui ao banheiro, para que pegassem minha mesa e eu tivesse uma desculpa para sentar próxima de você. O garçom não interferiu elas a sentarem, e funcionou.
           Sentei então mais próximo de você, onde conseguia escutar a voz de seus colegas discutindo sobre o que comprar. Tinha medo de olhar pra você e você estar olhando pra mim. Você devia saber que isso não me faz bem.
           E então, você falou.
           Ah, a sua voz...  Não era doce, era grossa. Forte. Causante. Não combinava com seu jeito feminino. E me fez rir. Me fez rir baixinho, pra que você não percebesse. De cabeça baixa.
           Fiquei observando você conversar, fingindo estar prestando atenção somente no meu refrigerante. Mas, por culpa sua, caiu sobre a mesa uma bebida escura e borbulhante, pra variar.
           Comecei a limpar com um guardanapo, e então ouvi seu riso. Alto. Lindo. Direcionei meus olhos aos seus, os encontrando. E então fiquei envergonhada ao perceber que estava rindo de mim, desengonçada. Sentei à mesa e sorri para o garçom que fazia meu serviço. Pedi outra coca-cola e tentei prestar mais atenção. E você não parava de olhar pra mim. Olhava sério, ria, e eu fazia o mesmo. E ficamos naquele jogo bobo.
          Foi assim a noite inteira. Conversa de olhares. Até você me tocar, ao ir embora, e me deixar de lembrança somente seu cheiro. Novamente.
 
  clarissa,